O que me
intriga em relação à humanidade é que somos uma espécie de símios sociais que
evoluíram o suficiente sua estrutura de sociedade para que o direito de voltar
a agir como outros símios seja ferrenhamente exercido e defendido pelas pessoas.
“Olhem para o meu encéfalo desenvolvido. Não, sério! Olhem para ele! Cheio de
curvas e giros, e massa cinzenta e massa clara. Uma proeza da seleção natural!
Mas acho que eu vou afogá-lo sob um oceano antievolutivo de uísque e energético
por hoje, e tentar impressionar o maior número possível de menininhas também bêbadas. O quê? Minha namorada? Quem me garante que ela não está solta por aí,
fazendo a mesma coisa? Mulher não presta não, cara! Melhor aproveitar enquanto eu sou jovem!”.
A comunicação
rudimentar e pós-rupestre da grande maioria das pessoas da geração que respira
o poluído ar dos anos 2010 com pulmões ainda vívidos e não completamente corroídos
pelo tabagismo voluntário ou por outros tipos de fumaça ou pela humanidade
circundante só não é mais deprimente do que a mensagem que ela tenta expressar.
E então somos bombardeados com a superficialidade alheia, temos de filtrar o
que presta em meio a cascas malcheirosas de futilidade e desespero. Essa é a
sociedade da informação, e essa é a informação infinita e ruidosa que escolhemos
ignorar. E então as pessoas escolhem para si carreiras com as quais elas não têm
a menor afinidade, baseadas na lei do “Eu tenho de fazer uma Universidade”,
completada pelo parágrafo I: “que me dê uma carreira que pague bem”. E então as
pessoas escolhem e traem parceiros tão vazios, rotos e socialmente atrofiados
quanto eles, pelo medo de ficarem sozinhos, baseados nos critérios mais vagos que conseguem escolher. E então as pessoas compram carros
novos e brilhantes para se potencializarem, e dirigem esses carros alcoolizados
ou sob influência de outras substâncias, com alto-falantes gritando a música da
qual são forçadas a gostar, dirigindo suas carcaças metálicas com motores de
dezesseis válvulas pela luminosa auto-estrada da incompletitude. Guiam-se por um céu
destituído de estrelas. Os astrolábios estão quebrados, as mentes inebriadas, e
não há rumo. E então as pessoas abraçam existências vazias, e falam sobre ela
de boca cheia.
Qualquer
criatura inteligente forçada a caminhar ao lado de semelhantes como esses
deveria ser pelo menos tão infeliz quanto Woody Allen. Esse é o nosso grande
trauma, o nosso grande drama: Somos menores do que as opções. Nunca seremos
grandes. Envelhecemos sem amadurecer. Somos recheados de uma fauna inquieta de
sentimentos com os quais não aprendemos a lidar. Escondemos nossos verdadeiros
espectros psicológicos por trás de comprimidos, ou apenas do medo de sermos
diferentes de um jeito ruim. Somos crianças insinceras, e a nossa mentira não é
nossa culpa: é a doença que se encista no nosso modo de vida. É o parasita a se alimentar dos
reais prazeres, a larva albina da padronização. Esquecemo-nos de como é boa a
chama destrutiva de nossa essência, quando utilizada em prol da cerâmica das
reais ideias. E o mais interessante é que o irracional e estúpido irrompem
ainda mais grotescamente numa época onde os feitos mais intrigantemente
avançados da nossa espécie despontam.
Pisamos na lua
há mais de quarenta anos. Enviamos sondas para Marte, e mapeamos com maior
precisão nossa galáxia e nosso Universo a cada dia. Mas os verdadeiros alienígenas
dormem ao nosso lado todos os dias. São os funcionários que movem os setores circundantes. São nossos amigos atordoados e tristes. São a nossa família que sequer chegamos a compreender. São os vizinhos e a atmosfera inóspita de
seus gramados ou seus apartamentos. A galáxia distante de outras mentes. A incômoda
e longa estrada que nos move para além de nossa zona de conforto. A
estratosfera da relação interpessoal, onde comunhamos com seres desconhecidos.
De que adianta descender das gerações que desvendaram o átomo se não sabemos
lidar nem mesmo com a nossa própria ansiedade, com a instabilidade radioativa
de nosso humor?
Somos uma
tribo que nenhum antropólogo teria um real prazer em estudar que não o da vã
estranheza. Somos um bando de gente sem-graça de mentes castradas, que espalham
seus genes sujos e vergonhosos por aí, talvez aumentando a chance de que alguma
consciência aflore nessa vasta cadeia de sistemas nervosos congelados. Escolhemos contrair
doenças (venéreas ou não), pelo estranho prazer da autodestruição, mas sequer
sabemos burilar esse suicídio de uma forma poética. Então apenas nos destruímos,
talvez pela repulsa crescente da nossa feiúra, que deve surgir mesmo nas mais
insapientes criaturas. Homo ignorans...
Homo ignorans, Homo ignorans, Homo
ignorans... Que a evolução confisque cada um dos que permanecerem como
meros espectadores de um pós-apocalipse diário como esse. Homo ignorans. Cada um que se recusar a aceitar a injustiça de
ter nascido em uma espécie de seres que deveriam mesmo buscar entender um
pouco mais de si mesmos, de seus semelhantes, seus diferentes, do mundo no qual
elas nasceram. E não apenas guardá-los na comodidade de um frasco de valium
escapista (não entrando aqui o mérito daqueles que realmente necessitam disso),
enquanto babamos nossa baba grossa e malcheirosa sobre todas as esferas da
vida. Os maias estavam certos, e nós estamos mortos. Apenas mortos.