sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Alguma coisa existencial que nunca vai mudar sua vida, mas você pode pensar que vai, mas acredite, não vai...

Esse post veio à minha cabeça há um mês e meio, mais ou menos, mas acabei não escrevendo-o por preguiça diversos motivos pessoais. O texto veio quando eu estava correndo por Porto Real (que é a pocilga, vilarejo ou qualquer buraco de goiaba cidade para onde meus pais se mudaram). À ocasião eu ouvia "A Silver Mt. Zion", mas hoje o texto voltou a pipocar por aqui enquanto eu ouvia Led Zeppelin, então resolvi que, se o texto gosta de Led Zeppelin E Silver Mt. Zion, ele deve mesmo ser escrito.

Só para finalizar o build-up do texto, eu preciso colocar aqui um disclaimer. Aliás, um disclaimer em negrito. Por algum motivo, esse texto contém spoiler sobre o final de todos os meus livros alguma pieguice conceitual, uma vibe residual meio fim de vida, um #PauloCoelhoFeeling. Peço desculpas, mas vocês estão avisados! Em negrito! O texto começa ali embaixo, para os corajosos, ou as tiazinhas solteironas que choram à toa:

Hoje eu estava correndo esportivamente pela cidade, como sempre costumo fazer, música explodindo alta nos ouvidos que logo perderão a sanidade (pelo menos tanto quanto o cérebro por trás deles), e logo um impulso quase infantil apareceu para puxar a barra da minha bermuda. Aquela criança chata pra caralho curiosa dentro de mim olhou para fora através das minhas pupilas e viu que o horizonte em torno da cidade estava quase escondido por uma muralha de morros verdes. Muito verdes. A questão é que eu sempre, desde quando consigo me lembrar, quis escalar morros não-habitados, deitar-me sobre eles e ficar sentindo a brisa no rosto, pensando na vida de olhos fechados, preferencialmente ouvindo "A Pillow of Winds" do Pink Floyd. Só que na época eu não sabia o nome da música.

Detalhes à parte, eu sempre represei a vontade de ir até os morros e me deitar até que formigas devorassem cada migalha dolorida do meu corpo animal e nutritivo enjoasse e quisesse voltar para casa, em parte porque minhas pernas eram curtas demais, e depois porque meus pais não se juntariam a mim, e nem me deixariam ir até lá sozinho. Mas agora eu estava munido de tudo o que precisava (menos Pink Floyd no mp3, mas eu poderia arranjar uma boa substituta), e resolvi explorar a possibilidade das ruas, sempre com o objetivo dos prados em mente. E foi aí que as coisas ficaram nebulosas. (não isso não vai se tornar um conto de terror, escolhi a palavra nebulosas apenas para dar um ar dramático)

(O seguinte trocadilho não foi proposital. Percebi o tal trocadilho ao final do texto e inseri essa nota aqui. Não vou alterá-lo, porém, porque isso seria censurar minha escrita automática. Obrigado) O primeiro problema que me separava do sonho dos morros não era, nem de longe, a distância. O principal problema era o fato de que em algum momento da estruturação da nossa espécie em sociedades, as pessoas resolveram que seria uma boa ideia comprar terras e delimitá-las com cercas. Não estou reclamando disso, é uma forma bem organizada de se fazer as coisas, por mais que seja um bom tanto desigual, mas esse não é um texto político. O problema que interessa a esse texto é que boa parte dos acessos aos morros que eu tanto queria alcançar estava delimitada por cercas individualistas, que separavam o que é o mundo do que é a propriedade do "Senhor X". Eu teria de achar alguma outra estrada, ou invadir a propriedade alheia, o que eu não faria por uma questão de ética pessoal e medo de tomar um tiro de espingarda na cabeça.

As coisas tomaram uma dimensão ainda mais interessante quando eu olhei um tanto além do arame farpado das cercas, e descobri que elas separavam o mundo de um grupo imenso de bestas. Grandes bestas gordas e monstruosas e cheias de chifres, que pastavam calmamente e aguardavam. Apenas aguardavam que alguém resolvesse cruzar a barreira entre o mundo e a propriedade, apenas aguardavam a coragem, para perseguir o corajoso com bufantes e espumosas bocas, mugindo seus mugidos de touro. Grandes bestas (que também eram propriedade, de certa forma, do "Senhor X"), contidas em um grande pasto, e impedidas de entrar no nosso mundo por um pacto de sangue, pentagramas e evocamentos uma cerca vulgar, mas que também me impediriam de dar um tropeção na minha ética pessoal e invadir a propriedade alheia. Até porque eu só queria chegar aos morros, mas não faria a minha jornada alimentado pela pressa de estar sendo caçado por um boi furioso. Eu simplesmente não faria isso. Portanto teria de procurar estradas.

Depois de correr (e alternar com caminhada, porque sou fraco) por um tempo, vi que a busca por estradas que me levassem até os malditos elevados verdes não estava sendo muito boa. Havia poucas estradas na direção certa, e as poucas que havia levavam na direção de mais cercas e mais feras churrascáveis e, claro, a mais decepção. Portanto, tive de correr, e buscar, e desistir de alguns caminhos que não levariam a nada (ou que pareciam o lugar perfeito para ser atacado pelo Slender Man por algum assaltante). E então fui elaborando esse texto, enquanto continuava a jornada, e pensando no quanto isso parece a constante luta humana para chegar aos objetivos de vida.

Não os objetivos simples como "hoje eu vou comer sushi", mas os objetivos de polpa, aqueles grandiosos que definirão mais ou menos o centro da sua vida. "Eu vou namorar aquela garota, e fazer as coisas darem certo". "Eu terei uma família foda". "Eu terei uma carreira satisfatória". "Eu serei um escritor de peso e reconhecido, e não ficarei restrito a escrever em um blog fantasma que quase ninguém lê (muito obrigado se você lê)". Estes são os morros, os nossos morros. Todos esses objetivos estão longe de nós, com diversas cercas e bestas nos impedindo. Nesse plano pessoal (fazendo livre-associação do mundo desperto como se eu estivesse sonhando) creio que as cercas são nossas. Elas são erguidas por nós mesmos, por camadas subconscientes ou semiconscientes de nós, aquelas que desacreditam, ou que, literalmente, querem ver a gente se fodendo. É sério: Você quer se foder, mesmo que não seja 100% do tempo, e mesmo que você não saiba disso. Mas nós vacilamos, nós temos o medo, o arame farpado do medo entrelaçado nas estacas de madeira da sensação de incapacidade e do desejo pungente de "deixar as coisas como estão". As estacas de madeira, por sua vez, estão na periferia daquilo que Freud chamou de "Death Drive", ou "Punção de Morte", que é a parte de nós que quer nos sabotar, que quer nos impedir. Que quer nos estrangular. É o desejo de autodestruição que nos faz sentir realizados por atitudes negativas, potencializados por comportamentos pouco saudáveis. É o que nos faz querer explodir o mundo, começando pela explosão de nós mesmos. Ou só explodir a nós mesmos, deixando o mundo quietinho na dele. E é o que ergue as cercas que separam a parte consciente de nós dos nossos morros em questão.

As bestas eu já associo como sendo os fatores externos. Elas são o que alimenta a inabilidade de saltar as cercas. São o inferno dos outros que o Sartre falava, no contexto original de que algumas pessoas podem ser a melhor forma de inferno. E elas podem. Mas os bois, as tão referidas "bestas" desse texto, bestas negras de pelos escuros e almiscarados com um cheiro terrível (mas não bois-almiscarados), não são necessariamente as outras pessoas. Nem tudo é culpa dos outros, bem como nem tudo é culpa nossa, e não podemos excluir os dedos do caos, que quando resolve ser babaca, deposita todos os seus esforços nesse objetivo. Desde despertadores que não tocam, empresas que nunca abrem vagas, concursos públicos que nunca acontecem, editoras que não respondem e-mails, encontros desastrosos que às vezes nada tem a ver com a vontade das duas pessoas de estarem ali... Toda essa amálgama de bestas nos encara, mascando calmamente seu capim metafórico, crescendo, nos ameaçando mais e mais, mesmo que de forma silenciosa, nos encarando, nos desafiando a sermos corajosos e quebrarmos a cara inúmeras vezes, tudo para alimentar ainda mais as bestas daqueles que nos rodeiam, que temerão ainda mais depois de ver o que elas são capazes de fazer para nos impedir de nossos sonhos.

E a conclusão final é essa: Não existem morros de verdade sem a escassez de estradas, e sem cercas e bestas para ladeá-las. Não existem morros de verdade que sejam fáceis de alcançar, e a recompensa verde, plácida e cheia de brisa refrescante desses morros sempre estará bem próxima do inalcançável. Não temos a capacidade de alcançar essa recompensa em qualquer lugar, precisamos dos morros. Mas precisamos de coragem, e tempo e às vezes de transpor cercas e fugir de bestas, se quisermos alcançar os morros de verdade. Precisamos de uma perseverança que não é nossa quando nascemos. Precisamos encontrá-la primeiro, precisamos de autoconhecimento para saber ignorar as cercas, e para saber que é possível acalmar ou ludibriar cada besta à sua forma. E precisamos, por fim, ter em mente a solidez da possibilidade que é a de alcançar os morros. Por mais trabalho que nos dê, e por mais que seja exigido de nós, existe em algum lugar, na maioria das vezes, uma estrada fácil, ainda que perdida e de difícil acesso, que levará aos morros sem a necessidade de enfrentar ou amansar as bestas. Existem músicas tranquilas ou porretes para todas as feras. E existem machados ou escadas para todas as cercas. Até para as elétricas, eu acho.

Tenho apenas duas notas a fazer:

1 - Aos curiosos, eu não consegui chegar a nenhum morro, no plano físico dessa história toda de corrida. Ao invés disso, eu corri em direção a uma mina de água que tem nessa joça de cidade. Lavei o rosto com água quase gelada, reidratei um pouco a garganta e corri de volta para casa. Hoje foi a mesma coisa. No plano das ideias, não consegui alcançar nenhum morro metafórico ainda, mas estou trabalhando fortemente na exclusão das minhas cercas.

2 - No percurso até a mina, encontrei uma estação de geração de bioenergia e parei um pouco, impressionado e um tanto diminuído (as duas palavras foram uma tentativa de traduzir e sintetizar o conceito de "overwhelmed", e essa tentativa deu bem errado) por aquele quase vasto parque industrial. Fiquei ali, encarando aquela maravilha tecnológica por um tempo, até meu fôlego normalizar um pouco, e foi um substituto momentâneo muito interessante para um morro. Acho que é esse tipo de momento idiossincrático (até porque, convenhamos: Porra, eu tava impressionado com um parque industrial pequenininho no meio de  Porto Real) que nos acalma um pouco, nos ajuda a nos focar no seguinte fato: Se você se organizar, pegar uns mapas, montar uma trilha e seguir, fica um tanto mais fácil chegar a um planaltinho qualquer. Precisamos de organização, e muitas vezes, mesmo assim, não chegaremos a lugar nenhum que preste, porque alguém resolveu criar gado no meio do seu caminho! Mas, mesmo que alguns morros e montanhas sejam inatingíveis, uma vida com tantos parques industriais não deve ser assim tão ruim, e uma vida não-tão-ruim merece ser vivida, e vivendo essa vida não-tão-ruim, quem sabe a gente não encontra aquela tal estrada que dá certo?

Enfim, chega desse texto, ele está imenso, e cheio das clichezadas. Mas pelo menos foi divertido escrevê-lo!

Até o próximo desapontamento!

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Beer and Love, dude!


Hoje eu trabalhei por onze horas. Aliás, você sabe que seu post está começando bem quando o primeiro verbo inserido é “trabalhar”, especialmente se ele vem seguido de qualquer referência, mesmo que vaga, ao intervalo de tempo de 11 HORAS. Por que essa informação é necessária? Simples: Depois de trabalhar por tanto tempo, resolvi que merecia uma Heineken bem gelada, dei meus R$ 3,50 para a chinesinha do trailer no fundão, e vim para casa feliz tomando a minha Heineken. No ônibus, após secar a breja, fiquei olhando para os títulos da Heineken no rótulo, com uma pitada de orgulho alheio, e comecei a imaginar o quanto as pessoas à volta deviam estar me achando um puta alcoólatra, pois parecia que eu estava apaixonado pela cerveja. E, de certa forma, eu estava, Não pela cerveja em si, mas por todos os méritos que ela já conquistou, mas essa introdução já está se desviando muito do propósito do post... Junte a ideia do quanto as pessoas deveriam estar me julgando a uma mente extremamente propensa a epifanias (criativas ou não), e você tem toda a ideia desse post me ocorrendo de uma vez. E aqui ele começa:

Cerveja é igual a amor. Ponto. Por uma série de aspectos possíveis, essa máxima é extremamente verdadeira, e deve ser encarada com a maior seriedade daqui por diante. Por exemplo, cerveja pode, se ingerida em quantidade suficiente, mexer um tanto com a sua cabeça. O amor também. Cerveja traz um equilíbrio delicado entre o amargo e o adocicado, e para continuar tomando cerveja você tem que aprender a apreciar (e não apenas aceitar) ambas as partes, e o amor também. Às vezes você gosta tanto de uma cerveja, que não a trocaria por nenhuma outra marca de cerveja, ou, para os mais extremistas e carentes, por coisa alguma, e exatamente a mesma coisa pode se dizer do amor. Eu seria capaz, e acredito que muitos apreciadores de cerveja iriam pelo mesmo caminho, de passar um dia inteiro com cerveja, e estaria muito satisfeito, obrigado. A mesma coisa se diz a respeito do amor. Ambas as coisas dependendo do dia, é claro! Cerveja é um item muito bom para se levar ao cinema, e a estreia de Prometheus pode confirmar isso muito bem por mim. Da mesma forma, é sempre um bom programa levar seu amor ao cinema (e interprete isso como quiser, inclusive como amor PELO cinema). Uma verdadeira cerveja nunca te abandonará, a não ser que você esqueça onde botou o copo. Fica a dica em relação ao amor também, e acho que essa é a frase mais piegas que já escrevi. Às vezes, ao final de um dia cansativo, uma cerveja pode te servir de recompensa e abrigo. So does love. A cerveja e o amor são capazes de te munir da coragem para quase qualquer coisa, seja essa “qualquer coisa” uma discussão dialética, uma situação difícil envolvendo vizinhos, um cara estranho olhando para a sua namorada, a dificuldade de ser sincero com alguém, ou uma batalha épica contra gigantes do gelo. Você escolhe! Mas nem sempre a coragem vinda do amor, ou da cerveja, deve ser levada adiante. Beber cerveja e dirigir não é uma boa ideia. Em certas ocasiões, isso é válido também para o amor, vocês entendem?  Cerveja pode ser um estilo de vida, pode te fazer despertar novas facetas de você, pode te mover a escrever poesia, e o amor também. E, é claro, cerveja demais pode deixar tonto, piorar bastante a sua silhueta, te deixar barrigudo e, talvez, até indesejável. Mas experimente estar em um relacionamento amoroso para ver o quanto a nossa máxima permanece verdadeira? Cerveja demais pode te fazer falar coisas das quais você provavelmente se arrependerá, e serão motivo de embaraço na frente de seus amigos, mas nada tão grave quanto estar apaixonado, e você sabe disso! Nem sempre é bom misturar duas cervejas diferentes, e eu tenho pena de você se você está apaixonado por mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Por fim, cerveja demais pode te deixar com ressaca, mas nada como a ressaca moral de quando você cai do status de “amor demais” para “acabou o amor”. Com todos esses sofismas babacas ditos, reafirmo a máxima: Cerveja é igual a amor. Eu diria que há apenas uma diferença, mas acabo de me lembrar que, embora eu não saiba muito bem qual a composição do amor, eu sei que cerveja (salvo algumas exceções mais elaboradas) são compostas de água, malte, cereais não-maltados (às vezes), e levedura. Além disso, você pode amar antes de ter 18 anos, além de alcoolismo ser algo muito mais triste do que ser viciado em amar demais. Mas, tirando esses mínimos detalhes, podemos dizer que a PRINCIPAL diferença entre as duas coisas é a seguinte: Sem exceção, todos os tipos imagináveis de cerveja têm, necessariamente um fim. Ele fica ao fundo da garrafa e, se você beber rápido demais, sua cerveja acabará logo. É triste, crianças, mas é verdade: Todo tipo de cerveja acaba um dia. Mas nem todo tipo de amor.

Isso pode ser encarado, na realidade, por duas óticas:

1 – Se bem cultivado, e ocorrer entre duas pessoas dispostas e minimamente compatíveis, o amor é melhor do que cerveja, uma vez que pode te embebedar para sempre, e você não necessariamente agirá igual a um idiota por isso. Love rocks!

2 – Enquanto o amor pode se arrastar para sempre e se tornar extremamente monótono e afogante, se você estiver enjoado da sua cerveja, você provavelmente irá parar ao final da sua saideira. Beer rocks!

Foi esse o post. Pareceu melhor quando eu escrevi na minha cabeça, no ônibus do que agora quando ele está, de fato, sendo escrito. Mas provavelmente é só a Heineken indo embora do sistema. =D

quarta-feira, 28 de março de 2012

Cordas, Sopros, Percussões e um Teclado Esfaqueado




Retorno ao blog para desapontá-los mais uma vez, mas no post de regresso eu tratarei de algo NADA desapontador.

Ontem eu, a namorada e um grupo considerável de amigos, conhecidos e desconhecidos nos encaminhamos para o Centro Cultural da Justiça Federal para assistirmos a uma apresentação ímpar. Mesmo antes de chegarmos lá, a apresentação já era ímpar: Era um concerto da Orquestra de Solistas do Rio de Janeiro com uma proposta muito incomum: Tocar um programa composto por versões de músicas do grupo Emerson, Lake & Palmer.

Se você desconhece o Emerson, Lake & Palmer, acho que eu não posso fazer muita coisa pela sua alma, e não vou gastar caracteres com você, mortal! OK, é brincadeira, e aí vai um pouco de histórico: O ELP foi um dos grandes nomes do cenário setentista de Rock Progressivo, que começou com a junção de três jovens ingleses cabeludos e virtuosos (os três vindos de bandas anteriores com alguma notoriedade) com o ideal de misturar música clássica, música folk, eletricidade e salada de neurocirurgia. O repertório da banda contava com composições próprias mescladas a releituras de música clássica (ideia responsável pela visibilidade inicial do grupo), tudo isso executado com um contrabaixo muito bem colocado nas músicas, pelas mãos do também vocalista Greg Lake, uma bateria ultrarresistente (porque o Carl Palmer batia nela com uma ferocidade assustadora), e os múltiplos teclados, órgãos, sintetizadores, mesas de som e outros aparatos tecnológicos de Keith Emerson. Este último, na minha opinião, o grande gênio do trio, era tão enérgico nas suas interpretações que montava em cima de um dos órgãos pneumáticos para distorcer o som, e enfiava punhais nele. Tudo em prol da sonoridade e do espetáculo, é claro. Enfim, o grupo era muito bom, muito explosivo e muito melódico também.

E é aí que entra a Orquestra de Solistas com uma sagacidade interessante: Por que não percorrer o caminho contrário e adaptar as composições do trio para orquestra? Com os arranjos do percussionista, Philipe Davis, eles nos presentearam com uma apresentação absolutamente bem-feita. Os arranjos foram muito bem pensados, e imagino o quando não deve ter sido trabalhoso (e prazeroso) fazer a conversão das linhas de baixo e teclado para os instrumentos clássicos apresentados. Os caras apelaram bastante também na hora de selecionar o repertório da apresentação que, embora curta, continha uma seleção muito digna: Só melodias que, para um fã, explodiram o cerne da alma.

Sobre a performance, a orquestra estava muito sintonizada, os músicos pareciam estar bem a vontade com o público (o teatro, além de tudo, era bem pequeno), e o maestro conduziu a trupe com bastante leveza, que não escondeu sua técnica em momento algum. Aliás, ele é bem simpático, e interagiu com o público como em um show de rock and roll mesmo, sem aquela impessoalidade austera de lorde Sith de maestros como Karajan. Toda a orquestra parecia estar se divertindo muito e acredito que, mesmo com a responsabilidade sobre os ombros, de estar realizando um espetáculo singular e referencial como aquele, eles estavam se divertindo mais do que a gente. A mezzo-soprano que realizou os vocais em "Jerusalem" (aliás, uma grata surpresa, pois é uma das minhas preferidas do ELP) tinha uma ótima técnica, e uma presença bem marcante da voz. Os versos de William Blake tomaram impulso no diafragma dela e ficaram muito bem executados (muito embora eu não seja o maior fã de vocal lírico feminino). Só senti falta de um tanto mais de explosão nesta versão especificamente. Percussão, talvez. O fagote marcando alguns graves, com aquele tom marcial que ele tem. Talvez um trompete para executar as linhas de teclado da segunda estrofe. Mas os arranjos foram feitos por um músico de verdade, e não por um blogueiro-microbiologista-idiota como eu, e ele sabe (muito bem) o que faz.

Outro bônus fantástico foi a composição do trompetista (acho que Gilson Santos, desculpem-me se eu errei), "Libras". Muito bem-feita, e com a ideia base (imitar com os movimentos do trompete uma conversa na Linguagem Brasileira de Sinais)

O concerto foi curto e (mesmo com o inesperado Bis da primeira impressão de "Karn Evil 9") não chegou a duas horas. Deixou muita vontade de mais. Pergunto-me como teria ficado "Tarkus" (insistentemente pedida pelo casal atrás de nós), "A Time and a Place", "Knife's Edge", "Living Sin" e alguma bem Honky-Tonk, como "The Sheriff" ou "Jeremy Bender". Enfim, por mim, eles tocavam toda a carreira dos caras, e eu não iria mesmo me importar.

No fim das contas, fica aqui a vontade de mais concertos como esse. E caso Philipe Davis leia esse post, reforço o que falei: Os álbuns antigos do Genesis (aqueles com o Peter Gabriel) também merecem um concerto similar. Bem como Focus, Jethro Tull, The Doors (que também tinha bastante influência clássica), o Meddle, do Pink Floyd, o In the Court of the Crimson King, do King Crimson(maravilhoso, além de contar com o Greg Lake como vocalista), uma possível adaptação de Godspeed You! Black Emperor e Silver Mount Zion (dois dos poucos nomes atuais que têm realmente muita criatividade) e provavelmente muitos outros artistas e álbuns mereceriam homenagens como essas.

Enfim, que os caras continuem o ótimo trabalho deles. E vocês, meus raros leitores, quando surgir a oportunidade de assistir a uma apresentação da OSRJ (especialmente se eles reapresentarem o espetáculo do ELP) agarrem esta oportunidade. Além de tudo, foi "cinco reau" para estudante.

É isso, manada de leitores enfurecidos. Estou de volta no blog, mas vou perder muito da minha periodicidade, pois é ano de monografia, e eu deveria estar escrevendo a minha, ao invés de me dirigir a vocês. Mas a Orquestra merece!

Semana que vem tem mais um post sobre música, mas ele será mais espiritual, analítico e reflexivo, e bem menos groupie empolgado com o concerto, OK?

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Poluição Quântica

Disclaimer: Estou postando com um dia de adiantamento porque há eras esse post está na minha cabeça, mas ainda não tinha pensado em como dar forma a ele. Junte uma espera forçada e um pouco de "Silver Mt. Zion" na cabeça, e temos um post. Vamos a ele:

Em "Ecologia Microbiana", uma matéria de minha graduação, fui apresentado ao seguinte conceito de Poluição: Qualquer alteração ou distúrbio no equilíbrio de um sistema ecológico. Isso foi uma paráfrase safada do conceito que nos foi realmente passado, mas equivaleria a dizer que qualquer alteração, por mais ínfima que seja, em um sistema ecológico, como pisar em uma poça de lama e depois na grama, carreando nutrientes e organismos de um ponto para o outro, já poderia ser chamado, de certa forma, de poluição, mesmo que ela seja autolimitada (ambos os sistemas têm, a mais ou menos curto prazo, a capacidade de retornar ao equilíbrio).

Aviso que, neste ponto, começa a viagem real do post. Convido-os a escutar "Silver Mt. Zion" também. Ou Pink Floyd, ou o que quer que lhe ajude a ficar confortável e seguir um fluxo esquizóide de raciocínio que, provavelmente, não fará muito sentido.

O estudo da Física Quântica ou Física de Partículas nos traz a teoria de que todo observador pode, e involuntariamente exerce uma influência no ponto ou fenômeno observado. Existem várias tentativas de explicar matematicamente o fenômeno, e alguns experimentos já chegaram a dar certo. Eu mesmo não entendi muito bem o princípio de boa parte daqueles sobre os quais eu li, mas pensem comigo... Se, ao observar algo, alteramos parte da natureza subatômica dessa alguma coisa, causando o que pode ser interpretado como desequilíbrio, ou alteração do "estado pré-observação" dessa partícula, não seria o próprio ato de observar um tipo diferente, reduzido e imprevisível de poluição?

Eu lembro-me de ter passeado com minha família uma vez, no aniversário do meu pai, para um parque ecológico em Jardim dos Pinhais e, uma vez lá, minha compulsão era a de não apenas olhar atentamente cada detalhe, mas fotografar plantas, pegadas, animais, pedras e todo o tipo de coisas. A minha pergunta principal é: O quanto será que olhar e, talvez ainda pior, fotografar uma paisagem classifica-se como uma forma sutil de poluição?

De uma forma bem menos abstrata, fotografias com flash claramente introduzem uma alteração luminosa visível que pode interferir com compostos químicos e, talvez, até mesmo com a expressão gênica de micro-organismos. Isso poderia ser, em uma dose-minuto, considerado sim uma alteração, talvez até mesmo nociva ao equilíbrio do sistema fotografado. Mas e se mesmo a simples captação da luz por um sistema óptico (sendo esse um olho animal ou uma câmera), sugando os rejeitos luminosos dos sistemas que refletem e absorvem espectros seletivamente? Será que mesmo sem introduzir um indesejável facho de luz a uma paisagem, estamos poluindo-na?

Eu realmente gostaria dessas respostas. Aliás, eu realmente gostaria de discutir isso, uma vez que nunca teremos a resposta definitiva para questões como essa (bem como o próprio Efeito Observador e o Princípio da Incerteza de um cara de nome estranho Heisenberg nos dizem que nunca teremos a resposta definitiva para nada). Gostaria de companhia para especular se somos, a partir do momento em que começamos a existir, grandes poluidores de sistemas, alterando a natureza de todas as coisas com nossos cinco perversos sentidos. E não apenas nós, como qualquer animal senciente e, talvez, até mesmo seres vivos que não descobrirmos ser sencientes ainda. Afinal de contas, quase qualquer coisa pode se eleger como "observador".

Me ajudem nessa questão. Seria muito bom que as pessoas comentassem aqui embaixo. Espero ter sido claro quanto à pergunta, e espero que me ajudem a prospectar por uma resposta, e espero que pensem nisso diariamente, especulando silenciosamente junto comigo quanto à natureza de nossos atos, e quanto à possibilidade de sermos grandes destruidores de partículas que sequer chegamos a conhecer ou compreender.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Olhos fendidos e bigodes...

... E orelhas

Disclaimer: Bem, crianças, hoje farei um post bem curto, OK? Estou um tanto cansado de escrever (fiz isso um pouquinho considerável hoje), mas vou tentar manter minha disciplina. Além disso, acho que encher o blog de textos imensos pode ser uma boa forma de repelir leitores, e não é isso que eu quero. Uma imagem, e podemos passar para o tópico principal do post de hoje:


Pois é... Vamos falar sobre gatos. Enquanto eu escrevo este post (e, no processo, penso o quão gay esse post vai parecer), vou tentar falar um pouco sobre esses animais de estimação que, no Brasil, creio que tenham uma fanbase menor do que os cachorros.

Tenho me interessado muito por gatos ultimamente. Esse post, apesar de parecer, não é uma homenagem a Lia Guedes. Ou, apesar de não parecer, ele é uma homenagem a Lia Guedes. Escolha uma vertente e tome-a para si, OK? Mas, sendo ou não uma homenagem a Lia Guedes, é um fato concreto que o meu contato com gatos se estreitou depois de estreitar meu contato com a Crazy Cat Lady mais próxima de mim atualmente (afinal de contas, é a minha namorada, certo?).

Esses animais primariamente carnívoros têm uma psicologia muito complexa. Gatos têm muita variação de humor, e o mesmo animal que estava sem paciência e irritável (que chamaremos aqui de "Ideafix-Way-Of-Being-a-Cat" - Ideafix sendo o gato mais foda que eu já vi) pode, a qualquer momento, vir até você e te pedir carinho. O interessante é que a independência (de alguns) deles faz com que você saiba que é importante para o animal em questão, mas ainda assim conseguindo ter bastante tempo para pensar nas suas coisas, trabalhar e etc. É a melhor forma de interação entre um homem e um animal: Aquela na qual os dois sabem que se gostam, sem precisar ficar grudados o tempo todo. Se vocês pensarem na maioria dos relacionamentos por aí, (pelo menos com algumas das minhas ex - não fiquem magoadas) se algumas pessoas fossem menos caninas, e mais felinas, elas teriam relacionamentos mais saudáveis.

Além disso, gatos têm uma imponência que denota sabedoria (não que eu ache que eles podem ver coisas que nós não podemos, isso não faz sentido para mim), o que é bem admirável, e faz dos felinos animais de porte respeitável. A forma meticulosa e ágil com a qual os gatos se movem são capazes de fazer pessoas estabanadas como eu sentirem-se verdadeiras idiotas. Enfim, o post não é bem sobre isso.

O que eu queria realmente analisar é o fato de vários escritores serem declarados fãs de gatos. Neil Gaiman é assim, e li em algum lugar uma quote dele dizendo algo como "As pessoas deveriam prestar mais atenção no que os seus gatos tentam lhes dizer" ou algo assim (desculpe, Neil, eu tentei o Google). Além dele, Lourenço Mutarelli cria gatos; William Burroughs gostava tanto deles que fez um livro inteiro contando sobre sua relação com seus gatos ("The Cat Inside", ou "O Gato por Dentro", como foi traduzido no Brasil). Li que Mark Twain também era fã de gatos. E um de meus maiores ídolos literários, H.P. Lovecraft gostava tanto de gatos que criou uma cidade em suas Dreamlands na qual nenhum homem deve matar um gato, e na qual os gatos e os homens que entendem sua língua podem se comunicar. Dedicar uma importante cidade como Ulthar aos seus amigos felinos é uma declaração bem interessante.

Pois bem, um dos livros nos quais trabalho no momento tem como protagonista principal um terráqueo de um Universo Paralelo, no qual a humanidade evoluiu a partir de gatos. Por paranoias alimentadas por copyright, não serei eu a entrar em maiores detalhes da obra aqui, mas vale dizer que comecei esse livro antes de ter contato maior com essas criaturas vomitadoras de bola de pelo. Sempre gostei deles, sempre os admirei, apesar de agora ter realmente a vontade ativa de criá-los num futuro não tão distante. A pergunta principal desse post é: por que escritores gostam tanto de gatos?

Para somar à discussão, não acho que eu, Neil Gaiman, William Burroughs, Mark Twain e Lourenço Mutarelli tenhamos estilos de vida e de pensamento tão parecidos entre nós, que nos coloquem numa gaveta rotulada "Pessoas com psicológico próximo; Gostam de Gatos". Mark Twain adorava falar em público, e até ganhava dinheiro com algo muito similar a Stand-Up Comedy; Neil Gaiman viaja por todo o mundo, e parece ser um cara realmente amigável. É fato que esses dois são até bem parecidos, mas o que dizer de William Burroughs? Burroughs se alternava entre reclusão e experiência social e, embora colaborasse com vários artistas (em várias formas de arte, inclusive na montagem de um musical com Tom Waits), não era, ao que parece, um cara muito saído. Era controversamente introspectivo e recluso, e extrapolava isso em tempos de loucura e uso máximo de drogas pesadas. Lourenço Mutarelli, por outro lado é um cara bem recluso (pelo menos, segundo ele mesmo), que já passou por muitas coisas estranhas na vida e, hoje em dia, prefere ficar em casa trabalhando e curtindo a família. E os gatos.

Eu vivo muito bem sem vida norturna, mas não vivo nada bem sem meus amigos. Odeio sair, chegar tarde em casa, definitivamente não gosto de multidões (a não ser em shows, e, ainda assim, apenas de bandas que me atraem), e tenho um pouco de medo de cidades grandes. Dos previamente citados, acho que apenas eu e Mark Twain temos predileção forte pela ciência. Não que os outros citados não tenham, mas Mark Twain era idólatra de Nikola Tesla (aliás, quem não é?), e eu tento fazer ciência no laboratório (e também corto o dedo). Enfim... Gostaria de entender o motivo, provavelmente não baseado em comportamento, que faz com que os escritores e os gatos domésticos sejam próximos. Pelo menos os escritores que eu admiro. E eu mesmo.

Enfim, esse post ficou maior do que eu gostaria, e eu demorei mais para escrevê-lo do que eu gostaria. Talvez ele seja um erro, e talvez eu me arrependa muito quando eu estiver lendo isso tudo de novo. Talvez tenha um gato do meu lado, felinando como se não houvesse amanhã, provavelmente deitado olhando para o nada, e pensando em sabe-lá-o-que... Mas é que outro dia me peguei pensando nisso, e resolvi escrever a respeito. Talvez eu mesmo tenha me impressionado por isso, e tenha começado meu gosto por gatos depois de saber que o Gaiman gosta deles. Mas eu sinceramente acho que não, porque se eu fosse "groupie" desse jeito, eu teria de... Sei lá... Parar de beber porque o Lovecraft não bebia.

O fato é que é uma pergunta boba, e provavelmente pode-se encontrar qualquer padrão em qualquer tipo de gente. Mas foda-se. O que importa é que eu terminei esse post.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

CENSURADO

Eu ia tentar me afastar de falar sobre SOPA, PIPA e essas outras leis que têm uma sonoridade especialmente engraçada para os brasileiros. Mas aí eu pensei em algo para dizer sobre direitos autorais, e achei que fazia realmente um pouco de sentido, portanto aí vai:

Como vocês sabem (a quem quer que eu esteja me dirigindo no momento), eu sou fã de H.P. Lovecraft. Para quem não sabe quem é: Cara, eu até te entendo, mas você deveria ler algo a respeito dele, ou melhor ainda, algo que ele tenha escrito. Mas resumindo, Lovecraft foi um escritor de ficção que atuou do fim dos anos 1910 até o início dos anos 1930, e ele era MUITO bom. Ele escrevia sobre um tipo de horror ainda inédito que recebeu a alcunha de "horror cósmico". Junto com um time de amigos escritores, o cara criou um universo super coerente de criaturas, abominações, e entidades sobrenaturais, os chamados Cthulhu Mythos. Então... Existe uma parte sutil na frase anterior, e eu quero que você tente descobrir antes de pular para o próximo parágrafo.

Descobriu? Para ser democrático, revelo aqui que a parte sutil era "junto com um time de amigos escritores". Entendem? O que aconteceu é que o Howard começou a escrever, e a definir algumas das criaturas de seu Universo. Depois de já ter publicado alguns contos sobre as abominações tentaculares saídas da sua cabeça imaginativa, Lovecraft conheceu alguns outros escritores de ficção (em geral por correspondência), e pouco tempo depois, alguns deles começaram a colaborar com histórias de autoria própria, para a consolidação não apenas do Universo de Lovecraft, mas também da literatura moderna de horror. Guardem essa informação.

Uma outra história é a do famoso autor de paródias musicais Weird Al Yancovic, e sua versão para a música "You're Beautiful", de James Blunt. Weird Al escreveu uma paródia para essa música, uma versão muito engraçada chamada "You're pitiful". James Blunt gostou da versão, e deu o aval para que o cantor gravasse a música, que Al pretendia lançar como principal single do álbum "Straigh Outta Lynwood". Porém, quando a música iria ser lançada, a Atlantic Records, gravadora do primeiro álbum de James Blunt vetou seu lançamento, dizendo que ainda estava muito cedo na carreira de James Blunt para ter uma paródia lançada. Diziam que isso poderia dar ao cantor a fama de um "One Hit Man".

Perceberam o contraste? A primeira história aconteceu na década de vinte, e a outra em 2006, apenas 80 anos depois. Será que a humanidade pode ter ficado tão idiota assim em míseros oitenta anos? Refletindo sobre o que eu falei, vocês tiram que James Blunt compôs, escreveu e gravou sua música, e a palavra final sobre a possibilidade de uma paródia não estava em suas mãos. Então que porra é essa de "Propriedade Intelectual"? Quer dizer que quando o artista é lançado por uma gravadora, ele vira propriedade intelectual, certo? Porque se não for isso que dizem os contratos, e sobre isso que gira a PIPA, eu juro que eu não entendo o que há de errado com o mundo.

A realidade é que o próprio H.P. Lovecraft utilizou as ideias de alguns de seus contemporâneos. Invenções de outros escritores ambientadas em seu Universo foram incorporadas por ele. Não foram muitas, mas aconteceu. Além disso, ele mesmo, em suas correspondências com os amigos, explicava detalhes sobre seu Universo, para que eles pudessem fazer um trabalho direitinho. E aí, alguns anos depois, se eu quiser escrever um Fanfic de Twin Peaks, por exemplo, mesmo que o próprio David Lynch goste do que eu fiz, eu corro o risco de me foder em um processo por causa da CBS? Que mundo é esse em que vivemos?

Se August Derleth (talvez o segundo autor que mais escreveu sobre os Mythos de Cthulhu), Clark Ashton Smith e Robert E. Howard tivessem sido processados por violação das leis de Copyright, certamente a literatura moderna seria diferente. Quando E. Howard citou o Necronomicon de Lovecraft em uma história, os EUA e parte do mundo estavam em crise econômica, e escritores (como eu bem sei) não são conhecidos por serem muito ricos. Só o Paulo Coelho. Talvez mais um ou dois. Mas então, provavelmente não teríamos os vários contos envolvendo os Mythos escritas por Derleth (que contribuiu com bastante coisa, embora tenha deturpado um tanto a ausência de maniqueísmo envolvendo as entidades cósmicas). Além disso, provavelmente não conheceríamos o Conan de Robert E. Howard, e isso já teria um bom impacto na nossa cultura pop.

Várias outras coisas não teriam acontecido: Os Beatles, que começaram gravando músicas antigas ainda como os Quarrymen... Acredito eu que os Inklings (grupo do qual fizeram parte Tolkien, autor de "O Senhor dos Aneis", e C.S. Lewis (autor de "As Crônicas de Nárnia") também trocassem bastantes ideias. E isso apenas vinte anos antes de o Led Zeppelin ter sido processado pela homenagem musical que fizeram a Sonny Boy Williamson II, com "Bring it On Home".

De lá para cá, a arte está ficando cada vez mais fechada, e os autores que querem revisitar alguma obra têm de esperar que ela caia em domínio público. Ou isso ou se render à vontade dos detentores dos direitos autorais, que provavelmente nem conhecem a obra direito. Daqui a pouco desenhar qualquer super-herói vai ser motivo para o Stan Lee te processar por ter roubado o conceito do Gavião Arqueiro. Por que a arte não pode ser propriedade de todos? As pessoas não têm o discernimento de escolher quais artistas são bons para elas, e investirem neles livremente? Porque eu compro os filmes e os álbuns de música que consigo comprar, quando sinto que a banda ou o diretor em questão merecem... E tudo isso para a Atlantic Records ganhar grande parte da soma, ao invés do artista?

Pensem nisso, e vejam se o mundo está melhor assim ou não.

E só para deixar o adendo de que, se as obras fossem liberadas para download gratuito, os discos / filmes / livros teriam de acabar se tornando um tanto mais baratos, para ter o atrativo que faria as pessoas gastarem seu dinheiro e darem suporte ao artista. Fora que o próprio instinto de fã já faria este trabalho. A única coisa que me limita de comprar mídia a todo instante é a falta de dinheiro para tal. É isso o que eu queria dizer... Comentem e digam se faz sentido.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Análise: "Quando meu pai se encontrou com o ET fazia um dia Quente" - Lourenço Mutarelli


Bem... Essa análise começa contando uma história.

Eu tinha uns dezessete anos quando assisti "O Cheiro do Ralo" pela primeira vez. Meu irmão tinha pego com um amigo, e estava de bobeira em casa... Coloquei para rolar no DVD e não sabia o que me esperava. Acabou por me impressionar muito, principalmente pela forma existencialista-decadentista pela qual vemos o mundo no filme. Talvez, através daquele olho (que é bem claro para quem realmente assistiu o filme ou leu a obra).

Foi então que resolvi ir atrás de mais informações sobre o filme (minha atual Wikimania já apresentava sintomas nessa época). E fiquei muito interessado na obra do escritor, Lourenço Mutarelli. Comprei, no mesmo ano, "A Arte de Produzir Efeito sem Causa", e ganhei de meu irmão (depois de empurrar o livro para ele dizendo "Você tem que ler isso! É impressionante!") o mais do que ilustre "Natimorto". Ambos os livros me causaram uma ótima impressão, e têm um fluxo e um desfecho tão surpreendentes quanto cada uma das outras linhas.

Sempre criando um teatro de absurdo a partir de sanidades frágeis, Mutarelli vêm, desde sua estreia autoral em Quadrinhos esquizofrênicos e pesados, criado personagens que encaram um mundo doente como qualquer um encararia: Com medo, desesperança... Incorporando essa doença a seu ser, as pessoas saídas da mente de Lourenço não poderiam ser mais anormais do que qualquer um de nós, inseridos em ambientes tão complicados e pesados quanto as ambientações deles.

Quando fechei a contra-capa do mais novo álbum do autor, o fantástico "Quando meu pai se encontrou com o ET fazia um dia quente", eu tinha duas conclusões em mente: A primeira era clara: "Eu preciso ler essa porra de novo", e a segunda é "Essa história é mesmo de Lourenço Mutarelli?". Explicando, o álbum traz imagens em ordem não cronológica servindo de ilustrações / pano de fundo para uma história contada em ordem cronológica. Por isso da primeira certeza. A segunda se deriva do fato de que a perda de conexão com a realidade imediata (ou o que quer que tenhamos por realidade), apesar de presente, apresenta-se de uma forma muito mais leve e branda, beirando mesmo ao emotivo e ao tocante. Não que medo e angústia não sejam emoções. Mas uso "emotivo" aqui no sentido mais utilizado da palavra. É, de fato, uma obra tocante. Entraria em mais detalhes do porquê, mas correria o risco de revelar demais sobre o enredo.

Bastaria dizer, então, que é um livro envolvendo as relações de um filho com seus pais. Especialmente com o pai. Essas relações são apresentadas em uma narrativa que gira em torno dos dias que precederam a internação do pai em um asilo. E o tal ET? Tente ler o livro e tirar suas próprias conclusões a respeito. Com minimalismo de palavras e um tratamento gráfico impecável, Lourenço mais uma vez nos traz uma visão subjetiva e interpretável daquele ponto em nossa mente onde alucinação, sonho e memórias se fundem.

Enfim... Isso foi uma review sobre o Livro, e eu os aconselharia fortemente a comprá-lo. Não é caro, principalmente levando em conta o ótimo trabalho de impressão, encadernação... É realmente uma edição de luxo, em capa-dura e sem um milímetro de página não-ilustrado. Tentem arranjar também, como eu ainda estou no caminho de conseguir, as outras obras do escritor que, ao demonstrar sua versatilidade nesta história emocionante, firma-se cada vez mais, na minha opinião, como um dos escritores mais talentosos do Brasil desta era.

Agora, dois casos pessoais:

1 - A Adaptação para Cinema de "O Natimorto", com o próprio Lourenço Mutarelli atuando, ao lado da expressiva Simone Spoladore e da convidada de papel enojante (A Esposa), Beth Goffman, é incrível. Tive o prazer de assisti-lo na última sessão de todas da exibição no circuito do Rio, no Unibanco Arteplex. Chamei muita gente, mas só foram duas: O Caio, um de meus melhores amigos atualmente e a Ligia que, agora, tornou-se minha namorada. Na época ela era apenas uma amiga, e foi esse filme perturbador (e excelente adaptação, aliás) nosso primeiro encontro. Não que imaginássemos nossa atual situação... Mas...

2 - Na noite de Lançamento do álbum sobre o qual discorri prolixamente nesse blog, eu estava lá, e pude conversar um pouco com Lourenço Mutarelli em pessoa. O autor é muitíssimo gente fina, com sua voz calma e pausada, como quem está dividindo-se entre simpatizar com as pessoas à volta e sentir uma imensa vergonha de interagir com elas. Conversamos um pouco, e ele autografou meu Natimorto. Dei a ele uma cópia pouquíssimo confiável do meu primeiro livro fechado, similar a uma "zine" encadernada com espiral e, obviamente, com tiragem limitada, uma vez que eu sequer entrei em contato com qualquer editora a respeito. E qual foi minha surpresa quando Mutarelli, num gesto que me surpreendeu bizarramente, me DEU uma cópia do álbum novo.

Portanto, o livro que li duas vezes e sobre o qual eu tive uma discussão muito produtiva com a senhora minha mãe foi um autografado presente de um dos meus ídolos literários. Emerson, Lake & Palmer teriam algo a dizer... E isso seria "Uhm, Such a Lucky Man he Was..."

Então fica aqui minha review e a minha tirada de onda. Até mais você, quem quer que seja, e obrigado por estar acessando a primeira postagem tr00 da CDU.

Abraços!

(E um Obrigado nominal para o Lucas Melo de Almeida, aka Duque de Waldeck, que foi quem me informou da noite de autógrafos! Obrigado, bronson!)