sábado, 26 de janeiro de 2013

Estranheza (ou "Justificando o nome do blog, em um atípico dia na vida de Bruno Moraes")


           

           E eu acordo, fora da minha casa, de uma noite de sono peculiarmente complicada. Devido ao concurso que fiz para a vaga à qual estou concorrendo, teria de estar hoje muito cedo em um lugar muito longe, o que me levou a recorrer à estadia na casa de amigos (valeu, Paulinha e Daniel!). O problema não é dormir fora de casa. Eu já me acostumei ao status de um eterno peregrino, pertencente apenas à Estrada, com um coração incandescente que percorre os acostamentos como um único farol, prestes a falhar na insone e infinita viagem. Fico entre três cidades, nenhum lugar é a minha casa, e estou muito feliz por (apesar de não ter muito o que chamar de “raízes”) ter pequenas sementes de lar em vários lugares (a casa dos meus pais é o mais reconfortante deles). Mas eu estou divagando: Não dormi mal por não estar em casa. Estou longe disso em pelo menos quatro anos. Eu dormi mal por conta da tempestade (daquela que estava por vir às 8:15 da manhã, na qual nuvens negras de insegurança tentariam eletrocutar a garganta), e da tempestade real, física, que me acordou às 3 da manhã, com ventos e chuva e trovões barulhentos, queda de luz, e logo eu passei de “sentir frio” para suar uma própria tempestade particular: Os ventiladores pararam de funcionar.
            Antes disso, eu já estava um pouco insone. Depois disso, eu tive um dos mais estranhos episódios do que eu chamo de “estado de semi-vigília”, aquele momento no qual os sonhos estão passando por você rápido demais, e você ainda tenta analisá-los com sua mente desperta, consciente da sua existência sólida e depositada sobre um colchão confortável (porém quente). Talvez a palavra “tempestade” tenha puxado memórias, e eu logo comecei a pensar em “Deuses Americanos”, e sobre vários deuses, e mitos, coexistindo. Possivelmente batalhando enquanto eu tentava dormir e tinha estranhos sonhos, possivelmente enfrentando uns aos outros na tempestade. Não vou prosseguir na descrição, pois spoilers podem estar envolvidos. Mas eu tentava dormir, e só conseguia pensar em deuses, e isso foi a insônia da manhã. Além disso, sonhei uma hora exatamente que estava tentando dormir e não conseguia. Meta-sonho eu até entendo. Mas meta-insônia é demais.
            Depois de dormir pouco e mal, tomei a dose mais forte de café que consegui e fui para fazer minha prova didática. Exausto. PRIMEIRO DESAPONTAMENTO DO DIA (Já que insônia não conta muito, por fazer parte daquela penumbra entre dois dias, e por já fazer parte da minha rotina): O Edital dizia especificamente que, para a segunda fase do concurso, o candidato que falhasse em chegar com 1 hora de antecedência seria desclassificado. Simples assim... Se não chegou 1 hora antes, você é desclassificado, e eu até acho quase justo, já que há uma série de documentos a serem apresentados. Certo?
            Errado! Eu (bem como vários outros Desapontados) chego lá mais de uma hora e quinze antes do horário marcado, e me instruem a ficar do lado de fora, esperando, porque a entrada seria liberada apenas às 8 horas. Depois disso fiz a prova, vim para casa e comprei o SEGUNDO DESAPONTAMENTO DO DIA: Bib’sfihas de carne que, embora estivessem realmente muito gostosas, tiveram um reajuste de valor de 100%. Repito: De 0,49 centavos, elas pularam para 0,98! Vim para casa comento, e disse para mim mesmo: “Para desestressar, quero ver um filme bom nessa porra!”.

--- Momento Christopher Nolan de não-linearidade ---

            Era uma sexta-feira, uma outra sexta-feira à noite, porém depositada duas semanas antes do dia de hoje. Eu e meu amigo de república, Caio, estávamos indo ao mercado para comprar material para fazer um pequeno festival de comida japonesa, com a namorada dele e uns amigos. Eu estava empolgado com “Tiros em Columbine”, documentário do Michael Moore sobre a fixação estadunidense com armas. Apesar de ser tendencioso como tudo no que o Michael Moore toca, o documentário é muito bacana. Nele eu descobri que, pelo menos até 2003, Charlton Heston era o presidente da associação nacional do rifle. E pelo menos até 2003 ele tinha umas opiniões bem filhas da puta. Por conta disso, perguntei ao Caio:
             — Cara, o Charlton Heston é bom? Ele fez algo de realmente relevante que valha à pena?
            Ao que o Caio respondeu:
             — Além, claro, de “O Planeta dos Macacos”... Bem, sei lá... Eu nunca vi Soylent Green, mas parece ser bem nice.
            — Ah, sim.
            — Eu até tenho bastante vontade de ver. O triste é já saber o final, e a maior reviravolta do filme.
            — Sério?
            — Cara, é um dos spoilers mais fáceis de saber da história do cinema. É uma frase totalmente cultuada, e citadíssima.
             — Juro para você que eu nunca soube do spoiler final de Soylent Green. Mas a gente bem que poderia assistir esse filme um dia.
            Atenção para essa última frase. Uma estranha cadeia de eventos se desencadeou a partir daí, culminando com um desapontamento impressionante ao final desse conto. Voltemos para o dia de hoje.

--- De volta ao presente ---

            — Cara, vamos ver um filme?
— Pô, eu topo! Que filme?
— Ah, cara... A gente tinha pensado em Soylent Green ou Magnólia...
— Porra, Soylent Green, pode crer.
— Pois é... Antes que o spoiler dele me alcance.
Se vocês não sabem, spoilers são entidades de caos conceitual. Eles estão à espreita, manipulando conversas, manipulando a mídia e as tão-chamadas coincidências, apenas para que você tome ciência de elementos de roteiro de obras com as quais você se importa. As duas semanas de estudo intenso para o concurso do CEDERJ construíram uma muralha de produtividade, mantiveram o Spoiler de Soylent Green afastado de mim. “Hoje é meu dia de folga!”, pensei. “Melhor ver logo essa porra desse filme!”
O Caio procurou por “Green” em sua biblioteca de filmes baixados de forma estritamente legal e sem violação de copyright, e não achou. Ele ainda não havia pego o filme. O que ele achou foi um suspeito documento de PDF sobre cultivo artesanal de maconha. E ele se perguntou por que diabos isso estava no computador dele. (qualquer um que não use maconha provavelmente se poria a perguntar a razão daquilo, ou pelo menos eu me poria!). Era um manual que veio de “brinde” numa versão que ele baixou de Reefer Madness, um filme obscuro dos anos 30, feito com o intuito de mostrar os perigos dessa terrível droga (mais perigosa do que heroína e cocaína, segundo o filme; e responsável pela degradação da juventude e dos valores da música... aquilo que nós chamamos de “jazz”, sabe? uma puta degradação da música esse tal de jazz). Como o filme tem a fama de ser uma ótima comédia por conta de seus exageros e atuações forçadas, procuramos o filme. E, como ele já estava baixado, resolvemos assisti-lo ainda assim. Soylent Green ficaria para depois.

(Reefer Madness é um péssimo filme. Não vale muito nem como uma comédia de exageros. Sério mesmo, não assistam isso. A sala de cinema da minha república anda numa fase amaldiçoada, e os últimos filmes que vimos ali foram “Visitor Q”, “Pink Flamingos” e “Reefer Madness”. Reefer Madness é o menos pior. mas ele, em universo paralelo algum, é um filme bom.)

A namorada do Caio veio para cá no fim do dia. Livitchka estava de bom humor, e resolvemos todos sair em um feliz programa para assistir “Cloud Atlas” (“A Viagem”, ilustração de capa desse post). Fomos para o shopping, compramos a entrada, e ainda dava tempo de brincar um pouco na máquina de “Pump it Up!”. Eu nunca havia dançado “Pump it Up!”, sou um completo desajustado no que diz respeito a olhar para uma tela com setinhas e interpretar essas setinhas como movimentos corporais rápidos e precisos. Aliás, precisão em movimentos corporais é o que eu menos tenho, o que me rende equimoses, tropeços e cortes praticamente toda semana. Resolvi tentar dessa vez. Dançamos até cansar, e fomos para o cinema. Já em cima da hora para o filme, mas “Tudo bem! Compramos as entradas antes!”. Certo?
Errado! Cheguei lá em cima e percebi que as minhas entradas haviam caído quando puxei o cartão para comprar fichas no playground do shopping. Tarde demais para descer os 4 lances de escada do shopping labiríntico, vendo meu reflexo desesperado estampado em vitrines cheias de pessoas que riam de mim. Fora que alguém já deveria ter pego a minha entrada. E foi assim que, mesmo andando num orçamento bem fodido desde que resolvi comprar um encadernado de Sandman, eu paguei duas vezes a entrada do cinema (por sorte, ainda pago meia!).
Entramos no meio da primeira ou, talvez, segunda cena do filme. A sessão de cinema foi conturbada: Celulares tocando, pessoas falando alto, um projecionista que provavelmente foi admitido no serviço sem sequer fazer uma mísera entrevista, casais inconvenientes fazendo comentários em voz alta, e um casal de deficientes auditivos que ficaram brigando o tempo todo ao meu lado (a ponto de uma hora eu achar que o rapaz estava realmente agredindo a menina, mas sinceramente não sei dizer). Possivelmente uma das piores sessões de cinema da minha vida.
O filme segue bem até certo ponto, depois se perde numa espiral de frases new age sobre amor e vidas conectadas e reencarnação. Não esperava nada muito diferente, mas não precisava de tantas frases de efeito em clima brega. E o mais interessante é que, até o meio, as histórias estavam evoluindo muito bem, e eu estava realmente me divertindo. Num certo ponto (também uma penumbra, repousando entre a parte original e a parte batida do filme), porém, todas as profecias da minha vida ultimamente se uniram, de uma forma majestosa, quase paranóica, quase grandiosa, mística... E, certamente, muito irônica, e muito desapontadora:
No meio daquela sessão de cinema terrível, de um filme que não é ruim, mas não chega nem a ser bom, contaminada pelo ruído de pessoas inconvenientes que vão ao cinema para tornar as vidas das outras pessoas mais miseráveis, pela péssima projeção, com falhas no áudio e na troca dos rolos, e que, ainda assim, me custara o valor de duas meias-entradas... O Spoiler de Soylent Green me alcança, berrado aos quatro ventos por um dos personagens do filme. O spoiler, a porra do spoiler, que eu tinha conseguido evitar por duas semanas e que teria sido impertinente se não fosse pela péssima escolha de ver Reefer Madness.
Conclusão: Acho que vou abraçar parte de todo aquele ideal de Karma que “Cloud Atlas” tentou me passar. Para mim, especificamente, ele foi um exemplo de Karma. Eu só queria mesmo entender o pecado que gerou esse dia de hoje. Foi um dia muito, mas muito estranho!

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