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Febre - Parte I
“Febre do Cubículo”. A chamada “Febre” ou “Síndrome do
Cubículo” nada mais é do que um desses tipos modernizados dos clássicos
problemas de histeria e stress. Eu estou estressado, não estou com “Febre do
Cubículo”. Por mais que o psicólogo tenha tentado explicar a origem do termo, a
razão pela qual meu problema se difere de qualquer outro tipo de desgaste
psicológico não consegue entrar na minha cabeça. É claro que eu estou cansado
do meu escritório e do meu estilo de vida. Quem não estaria, afinal? Mas daí a
inventar uma nova síndrome para aqueles que, como eu, sentem vontade de enfiar
os minigrampeadores de mesa pela traqueia daqueles a sua volta e apertar o
botão ejetor até que todos os grampos tenham se acabado... Isso não faz nenhum
sentido.
Acho que é uma tendência da
psicologia moderna... Como os estudos avançam mais rápido do que a capacidade
das pessoas para inventarem doenças realmente novas para si, eles acabam tendo
de setorizar e burocratizar as síndromes já existentes, tratá-las como entidades
separadas, estudá-las a fundo e até a exaustão. Acabam tendo de explicar porque
jornalistas e corretores de impostos e programadores sofrem da “Febre do Cubículo”,
enquanto motoristas de ônibus sofrem da “Síndrome do Volante”, geneticistas
sofrem da “Síndrome do Laboratório Apertado” e neurocirurgiões sofrem da “Febre
da Sala de Lobotomia Transorbital”. Será que essas síndromes
compartimentalizadas também sofrem da febre do cubículo? No fundo, acho que
somos todos um bando de desesperados, tentando rotular o desespero uns dos
outros.
A questão é que eu estou aqui, na
minha saletinha de meio metro cúbico no escritório do Jornal e, apesar da mente
extremamente dialética ao analisar a “Síndrome do Caralho a Quatro”, não
consegui digitar uma palavra sequer da minha crônica. Logo essa crônica. Logo
uma crônica de despedida antes da licença médica, durante a qual eu devo tentar
relaxar de verdade, e não apenas recair em algum dos vícios de sempre, como uma
tentativa autolimitada de aliviar o estresse: Não devo ficar jogando pôquer
online e perdendo, bit por bit, meu salário de cronista (que não é nem
freelancer e nem um funcionário de verdade). Não devo ficar assistindo vídeos
de pornografia, mostrando mulheres que eu nunca teria a capacidade de agradar beijando
outras mulheres que eu nunca teria capacidade de agradar, a navegação anônima
do meu browser ligada (por uma paranoia injustificada, uma vez que eu moro
sozinho e pouco me importaria a opinião a meu respeito formada por um ladrão de
computadores em potencial). Não devo tentar mexer na minha obra de ficção
científica, que nasceu como uma tentativa dupla de sucesso (Conseguir um
Pulitzer; Conseguir usar a arte como terapia), e duplamente frustrada pelo fato
de que eu daria um péssimo Arthur C. Clarke (o que aumentou ainda mais a minha
necessidade de terapia). E o campeão de todos os vícios para se evitar ao longo
de uma licença médica devido à “febre do cubículo”: Não devo ficar lembrando-me
de todos os meus relacionamentos passados ou hipotéticos, o primeiro tipo compreendendo
aqueles consumados com mulheres que nunca teriam a capacidade de me agradar, e
o segundo com mulheres que, na maioria das vezes, sequer existiam. Ou pelo
menos, sequer existiam da forma como eu as idealizava.
Era o caso daquela bela escritora que conheci numa
vernissage de abertura para uma exposição peculiarmente ruim. Eu achei que uma
senhorita com aquele sorriso, que entendesse tanto de vinhos chilenos e
literatura inglesa seria uma companheira requintada, com um olho clínico perfeito
para uma boa oportunidade de relacionamento, que saberia temperar com muita
calma um namoro intenso, vívido, cheio de cores e viagens. Que saberia se
entregar e se conter na medida certa, jogando um jogo cooperativo, e não uma
competição. Ela acabou sendo uma dominatrix com práticas sexuais absurdas e
brinquedinhos assustadores, que odiava o fato de não conseguir se relacionar
com outra coisa que não as criaturas odiáveis que são os homens, que ela
realmente detestava. Ou então aquela contrabaixista de jazz linda, pequenininha
e tímida que escondia, por trás daquele imenso corpanzil acústico de madeira e
cordas, o fato de que ela tinha uma das mais potentes e doces vozes que o mundo
da música esperava para conhecer. Ouvindo seu discurso dialético e bem-construído
a respeito de como o mundo merecia ouvir mais krautrock e menos música
eletrônica cheia de batidas, e sobre como os pais dela a levaram à Louisianna
uma vez, quando ela era uma criança, e retornou ao Brasil cheia de sonhos e
LP’s da Nina Simone... Ouvindo a canção quieta que seus olhos tocavam sobre o
meu terno alugado (odeio ternos)... Eu me apaixonei ali, na convenção mesmo, e
imaginei diversas noites nas quais nós, mamilos a conversar com o ar da noite,
escutaríamos Sinatra e assistiríamos filmes antigos e misteriosos antes de
dormir, doses de conhaque e sorvetes de amêndoas. O que eu não imaginei é que
ela tomaria doses e mais doses de conhaque, e me trairia com o saxofonista
quarentão pai de família antes mesmo do nosso primeiro encontro. Ou então...
(confira a continuação aqui! Ou seja um apressadinho e vá logo para a parte final do conto aqui, descontextualizando todo o final :D)
(confira a continuação aqui! Ou seja um apressadinho e vá logo para a parte final do conto aqui, descontextualizando todo o final :D)
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