sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Alguma coisa existencial que nunca vai mudar sua vida, mas você pode pensar que vai, mas acredite, não vai...

Esse post veio à minha cabeça há um mês e meio, mais ou menos, mas acabei não escrevendo-o por preguiça diversos motivos pessoais. O texto veio quando eu estava correndo por Porto Real (que é a pocilga, vilarejo ou qualquer buraco de goiaba cidade para onde meus pais se mudaram). À ocasião eu ouvia "A Silver Mt. Zion", mas hoje o texto voltou a pipocar por aqui enquanto eu ouvia Led Zeppelin, então resolvi que, se o texto gosta de Led Zeppelin E Silver Mt. Zion, ele deve mesmo ser escrito.

Só para finalizar o build-up do texto, eu preciso colocar aqui um disclaimer. Aliás, um disclaimer em negrito. Por algum motivo, esse texto contém spoiler sobre o final de todos os meus livros alguma pieguice conceitual, uma vibe residual meio fim de vida, um #PauloCoelhoFeeling. Peço desculpas, mas vocês estão avisados! Em negrito! O texto começa ali embaixo, para os corajosos, ou as tiazinhas solteironas que choram à toa:

Hoje eu estava correndo esportivamente pela cidade, como sempre costumo fazer, música explodindo alta nos ouvidos que logo perderão a sanidade (pelo menos tanto quanto o cérebro por trás deles), e logo um impulso quase infantil apareceu para puxar a barra da minha bermuda. Aquela criança chata pra caralho curiosa dentro de mim olhou para fora através das minhas pupilas e viu que o horizonte em torno da cidade estava quase escondido por uma muralha de morros verdes. Muito verdes. A questão é que eu sempre, desde quando consigo me lembrar, quis escalar morros não-habitados, deitar-me sobre eles e ficar sentindo a brisa no rosto, pensando na vida de olhos fechados, preferencialmente ouvindo "A Pillow of Winds" do Pink Floyd. Só que na época eu não sabia o nome da música.

Detalhes à parte, eu sempre represei a vontade de ir até os morros e me deitar até que formigas devorassem cada migalha dolorida do meu corpo animal e nutritivo enjoasse e quisesse voltar para casa, em parte porque minhas pernas eram curtas demais, e depois porque meus pais não se juntariam a mim, e nem me deixariam ir até lá sozinho. Mas agora eu estava munido de tudo o que precisava (menos Pink Floyd no mp3, mas eu poderia arranjar uma boa substituta), e resolvi explorar a possibilidade das ruas, sempre com o objetivo dos prados em mente. E foi aí que as coisas ficaram nebulosas. (não isso não vai se tornar um conto de terror, escolhi a palavra nebulosas apenas para dar um ar dramático)

(O seguinte trocadilho não foi proposital. Percebi o tal trocadilho ao final do texto e inseri essa nota aqui. Não vou alterá-lo, porém, porque isso seria censurar minha escrita automática. Obrigado) O primeiro problema que me separava do sonho dos morros não era, nem de longe, a distância. O principal problema era o fato de que em algum momento da estruturação da nossa espécie em sociedades, as pessoas resolveram que seria uma boa ideia comprar terras e delimitá-las com cercas. Não estou reclamando disso, é uma forma bem organizada de se fazer as coisas, por mais que seja um bom tanto desigual, mas esse não é um texto político. O problema que interessa a esse texto é que boa parte dos acessos aos morros que eu tanto queria alcançar estava delimitada por cercas individualistas, que separavam o que é o mundo do que é a propriedade do "Senhor X". Eu teria de achar alguma outra estrada, ou invadir a propriedade alheia, o que eu não faria por uma questão de ética pessoal e medo de tomar um tiro de espingarda na cabeça.

As coisas tomaram uma dimensão ainda mais interessante quando eu olhei um tanto além do arame farpado das cercas, e descobri que elas separavam o mundo de um grupo imenso de bestas. Grandes bestas gordas e monstruosas e cheias de chifres, que pastavam calmamente e aguardavam. Apenas aguardavam que alguém resolvesse cruzar a barreira entre o mundo e a propriedade, apenas aguardavam a coragem, para perseguir o corajoso com bufantes e espumosas bocas, mugindo seus mugidos de touro. Grandes bestas (que também eram propriedade, de certa forma, do "Senhor X"), contidas em um grande pasto, e impedidas de entrar no nosso mundo por um pacto de sangue, pentagramas e evocamentos uma cerca vulgar, mas que também me impediriam de dar um tropeção na minha ética pessoal e invadir a propriedade alheia. Até porque eu só queria chegar aos morros, mas não faria a minha jornada alimentado pela pressa de estar sendo caçado por um boi furioso. Eu simplesmente não faria isso. Portanto teria de procurar estradas.

Depois de correr (e alternar com caminhada, porque sou fraco) por um tempo, vi que a busca por estradas que me levassem até os malditos elevados verdes não estava sendo muito boa. Havia poucas estradas na direção certa, e as poucas que havia levavam na direção de mais cercas e mais feras churrascáveis e, claro, a mais decepção. Portanto, tive de correr, e buscar, e desistir de alguns caminhos que não levariam a nada (ou que pareciam o lugar perfeito para ser atacado pelo Slender Man por algum assaltante). E então fui elaborando esse texto, enquanto continuava a jornada, e pensando no quanto isso parece a constante luta humana para chegar aos objetivos de vida.

Não os objetivos simples como "hoje eu vou comer sushi", mas os objetivos de polpa, aqueles grandiosos que definirão mais ou menos o centro da sua vida. "Eu vou namorar aquela garota, e fazer as coisas darem certo". "Eu terei uma família foda". "Eu terei uma carreira satisfatória". "Eu serei um escritor de peso e reconhecido, e não ficarei restrito a escrever em um blog fantasma que quase ninguém lê (muito obrigado se você lê)". Estes são os morros, os nossos morros. Todos esses objetivos estão longe de nós, com diversas cercas e bestas nos impedindo. Nesse plano pessoal (fazendo livre-associação do mundo desperto como se eu estivesse sonhando) creio que as cercas são nossas. Elas são erguidas por nós mesmos, por camadas subconscientes ou semiconscientes de nós, aquelas que desacreditam, ou que, literalmente, querem ver a gente se fodendo. É sério: Você quer se foder, mesmo que não seja 100% do tempo, e mesmo que você não saiba disso. Mas nós vacilamos, nós temos o medo, o arame farpado do medo entrelaçado nas estacas de madeira da sensação de incapacidade e do desejo pungente de "deixar as coisas como estão". As estacas de madeira, por sua vez, estão na periferia daquilo que Freud chamou de "Death Drive", ou "Punção de Morte", que é a parte de nós que quer nos sabotar, que quer nos impedir. Que quer nos estrangular. É o desejo de autodestruição que nos faz sentir realizados por atitudes negativas, potencializados por comportamentos pouco saudáveis. É o que nos faz querer explodir o mundo, começando pela explosão de nós mesmos. Ou só explodir a nós mesmos, deixando o mundo quietinho na dele. E é o que ergue as cercas que separam a parte consciente de nós dos nossos morros em questão.

As bestas eu já associo como sendo os fatores externos. Elas são o que alimenta a inabilidade de saltar as cercas. São o inferno dos outros que o Sartre falava, no contexto original de que algumas pessoas podem ser a melhor forma de inferno. E elas podem. Mas os bois, as tão referidas "bestas" desse texto, bestas negras de pelos escuros e almiscarados com um cheiro terrível (mas não bois-almiscarados), não são necessariamente as outras pessoas. Nem tudo é culpa dos outros, bem como nem tudo é culpa nossa, e não podemos excluir os dedos do caos, que quando resolve ser babaca, deposita todos os seus esforços nesse objetivo. Desde despertadores que não tocam, empresas que nunca abrem vagas, concursos públicos que nunca acontecem, editoras que não respondem e-mails, encontros desastrosos que às vezes nada tem a ver com a vontade das duas pessoas de estarem ali... Toda essa amálgama de bestas nos encara, mascando calmamente seu capim metafórico, crescendo, nos ameaçando mais e mais, mesmo que de forma silenciosa, nos encarando, nos desafiando a sermos corajosos e quebrarmos a cara inúmeras vezes, tudo para alimentar ainda mais as bestas daqueles que nos rodeiam, que temerão ainda mais depois de ver o que elas são capazes de fazer para nos impedir de nossos sonhos.

E a conclusão final é essa: Não existem morros de verdade sem a escassez de estradas, e sem cercas e bestas para ladeá-las. Não existem morros de verdade que sejam fáceis de alcançar, e a recompensa verde, plácida e cheia de brisa refrescante desses morros sempre estará bem próxima do inalcançável. Não temos a capacidade de alcançar essa recompensa em qualquer lugar, precisamos dos morros. Mas precisamos de coragem, e tempo e às vezes de transpor cercas e fugir de bestas, se quisermos alcançar os morros de verdade. Precisamos de uma perseverança que não é nossa quando nascemos. Precisamos encontrá-la primeiro, precisamos de autoconhecimento para saber ignorar as cercas, e para saber que é possível acalmar ou ludibriar cada besta à sua forma. E precisamos, por fim, ter em mente a solidez da possibilidade que é a de alcançar os morros. Por mais trabalho que nos dê, e por mais que seja exigido de nós, existe em algum lugar, na maioria das vezes, uma estrada fácil, ainda que perdida e de difícil acesso, que levará aos morros sem a necessidade de enfrentar ou amansar as bestas. Existem músicas tranquilas ou porretes para todas as feras. E existem machados ou escadas para todas as cercas. Até para as elétricas, eu acho.

Tenho apenas duas notas a fazer:

1 - Aos curiosos, eu não consegui chegar a nenhum morro, no plano físico dessa história toda de corrida. Ao invés disso, eu corri em direção a uma mina de água que tem nessa joça de cidade. Lavei o rosto com água quase gelada, reidratei um pouco a garganta e corri de volta para casa. Hoje foi a mesma coisa. No plano das ideias, não consegui alcançar nenhum morro metafórico ainda, mas estou trabalhando fortemente na exclusão das minhas cercas.

2 - No percurso até a mina, encontrei uma estação de geração de bioenergia e parei um pouco, impressionado e um tanto diminuído (as duas palavras foram uma tentativa de traduzir e sintetizar o conceito de "overwhelmed", e essa tentativa deu bem errado) por aquele quase vasto parque industrial. Fiquei ali, encarando aquela maravilha tecnológica por um tempo, até meu fôlego normalizar um pouco, e foi um substituto momentâneo muito interessante para um morro. Acho que é esse tipo de momento idiossincrático (até porque, convenhamos: Porra, eu tava impressionado com um parque industrial pequenininho no meio de  Porto Real) que nos acalma um pouco, nos ajuda a nos focar no seguinte fato: Se você se organizar, pegar uns mapas, montar uma trilha e seguir, fica um tanto mais fácil chegar a um planaltinho qualquer. Precisamos de organização, e muitas vezes, mesmo assim, não chegaremos a lugar nenhum que preste, porque alguém resolveu criar gado no meio do seu caminho! Mas, mesmo que alguns morros e montanhas sejam inatingíveis, uma vida com tantos parques industriais não deve ser assim tão ruim, e uma vida não-tão-ruim merece ser vivida, e vivendo essa vida não-tão-ruim, quem sabe a gente não encontra aquela tal estrada que dá certo?

Enfim, chega desse texto, ele está imenso, e cheio das clichezadas. Mas pelo menos foi divertido escrevê-lo!

Até o próximo desapontamento!

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Ao ler seu texto, lembrei-me de Nietzsche quando disse que "quem despreza a si mesmo, ainda se preza, contudo, como desprezador".

    Nietzsche considera que o ''sentido da vida'' é a vontade de poder (agir sobre a realidade). Fundamentalmente todos os seres seriam guiados por esta vontade primordial. Entretanto, ela se manifestaria em diversas formas, por meio de diversos instintos e ''subvontades'' que disputariam espaço entre si, na coisa múltipla que poderíamos chamar de alma. Uma pessoa, ao querer algo, então, estaria manifestando a prioridade - seja lá por que motivo e por quanto tempo - de uma subvontade sobre a outra, e, estaria, ao mesmo tempo, mandando E obedecendo. Neste contexto, o livre arbítrio seria "o estado multiforme de prazer do querente que ordena e ao mesmo tempo se funde num só com o executante". E é daí que vem o aforisma do desprezador que se preza como desprezador. Ainda se desprezando, a pessoa se sentiria com o ''poder'': ela pode comandar (desprezar) e obedecer (ser desprezado), e assim, sentir algum prazer.

    As barreiras construídas pelas próprias pessoas, a vontade bem no fundinho de não querer que dê certo mencionada no texto pode ser uma manifestação desta vontade de poder, e, na falta de poder agir no exterior, da necessidade voltá-la contra si mesmo e se sentir por cima.

    Ou não. =P

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Faz muito sentido! De fato, observamos a vida sempre pela intersecção de várias facetas de nós mesmos, que encaram as coisas das formas mais variadas. Filtramos aquelas que não achamos decentes / dignas / necessária / potentes no momento, mas elas ocorrem, e elas ficam guardadas em algum lugar. Objetivos não são diferentes, apenas menos corriqueiros do que os momentos nos quais estamos apenas "observando a vida".

      Nesse contexto mais profundo, até mesmo mais chamativo, acho que essas facetas começam a lutar mais por espaço, literalmente cair na porrada por atenção. O Bruno Artista quer ser escritor publicado, o Bruno Derrotista diz que ser publicado é um privilégio de poucos. O Bruno Pé-no-Chão diz que ambos estão errados, e que o Bruno Escritor deveria calar a porra da boca, porque o Bruno Ser-Humano deveria focar todos os seus esforços em objetivos mais concretos do que arte, pois arte não salva a vida de ninguém, ninguém se importa com arte, e que isso não deveria ser um objetivo de forma alguma. "Pense em trabalho, Bruno Ser-Humano. Viva o trabalho!"

      Mais ou menos por aí. É bom mesmo ter esse "livre-arbítrio Nietzschiano", e poder temperar os aliens famintos dentro de cada um de nós, e escolher aquele que parecer mais adequado ao momento, mas não esquecer totalmente de ouvir os outros. Putz, falei demais.

      Excluir