quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Análise: "Quando meu pai se encontrou com o ET fazia um dia Quente" - Lourenço Mutarelli


Bem... Essa análise começa contando uma história.

Eu tinha uns dezessete anos quando assisti "O Cheiro do Ralo" pela primeira vez. Meu irmão tinha pego com um amigo, e estava de bobeira em casa... Coloquei para rolar no DVD e não sabia o que me esperava. Acabou por me impressionar muito, principalmente pela forma existencialista-decadentista pela qual vemos o mundo no filme. Talvez, através daquele olho (que é bem claro para quem realmente assistiu o filme ou leu a obra).

Foi então que resolvi ir atrás de mais informações sobre o filme (minha atual Wikimania já apresentava sintomas nessa época). E fiquei muito interessado na obra do escritor, Lourenço Mutarelli. Comprei, no mesmo ano, "A Arte de Produzir Efeito sem Causa", e ganhei de meu irmão (depois de empurrar o livro para ele dizendo "Você tem que ler isso! É impressionante!") o mais do que ilustre "Natimorto". Ambos os livros me causaram uma ótima impressão, e têm um fluxo e um desfecho tão surpreendentes quanto cada uma das outras linhas.

Sempre criando um teatro de absurdo a partir de sanidades frágeis, Mutarelli vêm, desde sua estreia autoral em Quadrinhos esquizofrênicos e pesados, criado personagens que encaram um mundo doente como qualquer um encararia: Com medo, desesperança... Incorporando essa doença a seu ser, as pessoas saídas da mente de Lourenço não poderiam ser mais anormais do que qualquer um de nós, inseridos em ambientes tão complicados e pesados quanto as ambientações deles.

Quando fechei a contra-capa do mais novo álbum do autor, o fantástico "Quando meu pai se encontrou com o ET fazia um dia quente", eu tinha duas conclusões em mente: A primeira era clara: "Eu preciso ler essa porra de novo", e a segunda é "Essa história é mesmo de Lourenço Mutarelli?". Explicando, o álbum traz imagens em ordem não cronológica servindo de ilustrações / pano de fundo para uma história contada em ordem cronológica. Por isso da primeira certeza. A segunda se deriva do fato de que a perda de conexão com a realidade imediata (ou o que quer que tenhamos por realidade), apesar de presente, apresenta-se de uma forma muito mais leve e branda, beirando mesmo ao emotivo e ao tocante. Não que medo e angústia não sejam emoções. Mas uso "emotivo" aqui no sentido mais utilizado da palavra. É, de fato, uma obra tocante. Entraria em mais detalhes do porquê, mas correria o risco de revelar demais sobre o enredo.

Bastaria dizer, então, que é um livro envolvendo as relações de um filho com seus pais. Especialmente com o pai. Essas relações são apresentadas em uma narrativa que gira em torno dos dias que precederam a internação do pai em um asilo. E o tal ET? Tente ler o livro e tirar suas próprias conclusões a respeito. Com minimalismo de palavras e um tratamento gráfico impecável, Lourenço mais uma vez nos traz uma visão subjetiva e interpretável daquele ponto em nossa mente onde alucinação, sonho e memórias se fundem.

Enfim... Isso foi uma review sobre o Livro, e eu os aconselharia fortemente a comprá-lo. Não é caro, principalmente levando em conta o ótimo trabalho de impressão, encadernação... É realmente uma edição de luxo, em capa-dura e sem um milímetro de página não-ilustrado. Tentem arranjar também, como eu ainda estou no caminho de conseguir, as outras obras do escritor que, ao demonstrar sua versatilidade nesta história emocionante, firma-se cada vez mais, na minha opinião, como um dos escritores mais talentosos do Brasil desta era.

Agora, dois casos pessoais:

1 - A Adaptação para Cinema de "O Natimorto", com o próprio Lourenço Mutarelli atuando, ao lado da expressiva Simone Spoladore e da convidada de papel enojante (A Esposa), Beth Goffman, é incrível. Tive o prazer de assisti-lo na última sessão de todas da exibição no circuito do Rio, no Unibanco Arteplex. Chamei muita gente, mas só foram duas: O Caio, um de meus melhores amigos atualmente e a Ligia que, agora, tornou-se minha namorada. Na época ela era apenas uma amiga, e foi esse filme perturbador (e excelente adaptação, aliás) nosso primeiro encontro. Não que imaginássemos nossa atual situação... Mas...

2 - Na noite de Lançamento do álbum sobre o qual discorri prolixamente nesse blog, eu estava lá, e pude conversar um pouco com Lourenço Mutarelli em pessoa. O autor é muitíssimo gente fina, com sua voz calma e pausada, como quem está dividindo-se entre simpatizar com as pessoas à volta e sentir uma imensa vergonha de interagir com elas. Conversamos um pouco, e ele autografou meu Natimorto. Dei a ele uma cópia pouquíssimo confiável do meu primeiro livro fechado, similar a uma "zine" encadernada com espiral e, obviamente, com tiragem limitada, uma vez que eu sequer entrei em contato com qualquer editora a respeito. E qual foi minha surpresa quando Mutarelli, num gesto que me surpreendeu bizarramente, me DEU uma cópia do álbum novo.

Portanto, o livro que li duas vezes e sobre o qual eu tive uma discussão muito produtiva com a senhora minha mãe foi um autografado presente de um dos meus ídolos literários. Emerson, Lake & Palmer teriam algo a dizer... E isso seria "Uhm, Such a Lucky Man he Was..."

Então fica aqui minha review e a minha tirada de onda. Até mais você, quem quer que seja, e obrigado por estar acessando a primeira postagem tr00 da CDU.

Abraços!

(E um Obrigado nominal para o Lucas Melo de Almeida, aka Duque de Waldeck, que foi quem me informou da noite de autógrafos! Obrigado, bronson!)

Nenhum comentário:

Postar um comentário