quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

CENSURADO

Eu ia tentar me afastar de falar sobre SOPA, PIPA e essas outras leis que têm uma sonoridade especialmente engraçada para os brasileiros. Mas aí eu pensei em algo para dizer sobre direitos autorais, e achei que fazia realmente um pouco de sentido, portanto aí vai:

Como vocês sabem (a quem quer que eu esteja me dirigindo no momento), eu sou fã de H.P. Lovecraft. Para quem não sabe quem é: Cara, eu até te entendo, mas você deveria ler algo a respeito dele, ou melhor ainda, algo que ele tenha escrito. Mas resumindo, Lovecraft foi um escritor de ficção que atuou do fim dos anos 1910 até o início dos anos 1930, e ele era MUITO bom. Ele escrevia sobre um tipo de horror ainda inédito que recebeu a alcunha de "horror cósmico". Junto com um time de amigos escritores, o cara criou um universo super coerente de criaturas, abominações, e entidades sobrenaturais, os chamados Cthulhu Mythos. Então... Existe uma parte sutil na frase anterior, e eu quero que você tente descobrir antes de pular para o próximo parágrafo.

Descobriu? Para ser democrático, revelo aqui que a parte sutil era "junto com um time de amigos escritores". Entendem? O que aconteceu é que o Howard começou a escrever, e a definir algumas das criaturas de seu Universo. Depois de já ter publicado alguns contos sobre as abominações tentaculares saídas da sua cabeça imaginativa, Lovecraft conheceu alguns outros escritores de ficção (em geral por correspondência), e pouco tempo depois, alguns deles começaram a colaborar com histórias de autoria própria, para a consolidação não apenas do Universo de Lovecraft, mas também da literatura moderna de horror. Guardem essa informação.

Uma outra história é a do famoso autor de paródias musicais Weird Al Yancovic, e sua versão para a música "You're Beautiful", de James Blunt. Weird Al escreveu uma paródia para essa música, uma versão muito engraçada chamada "You're pitiful". James Blunt gostou da versão, e deu o aval para que o cantor gravasse a música, que Al pretendia lançar como principal single do álbum "Straigh Outta Lynwood". Porém, quando a música iria ser lançada, a Atlantic Records, gravadora do primeiro álbum de James Blunt vetou seu lançamento, dizendo que ainda estava muito cedo na carreira de James Blunt para ter uma paródia lançada. Diziam que isso poderia dar ao cantor a fama de um "One Hit Man".

Perceberam o contraste? A primeira história aconteceu na década de vinte, e a outra em 2006, apenas 80 anos depois. Será que a humanidade pode ter ficado tão idiota assim em míseros oitenta anos? Refletindo sobre o que eu falei, vocês tiram que James Blunt compôs, escreveu e gravou sua música, e a palavra final sobre a possibilidade de uma paródia não estava em suas mãos. Então que porra é essa de "Propriedade Intelectual"? Quer dizer que quando o artista é lançado por uma gravadora, ele vira propriedade intelectual, certo? Porque se não for isso que dizem os contratos, e sobre isso que gira a PIPA, eu juro que eu não entendo o que há de errado com o mundo.

A realidade é que o próprio H.P. Lovecraft utilizou as ideias de alguns de seus contemporâneos. Invenções de outros escritores ambientadas em seu Universo foram incorporadas por ele. Não foram muitas, mas aconteceu. Além disso, ele mesmo, em suas correspondências com os amigos, explicava detalhes sobre seu Universo, para que eles pudessem fazer um trabalho direitinho. E aí, alguns anos depois, se eu quiser escrever um Fanfic de Twin Peaks, por exemplo, mesmo que o próprio David Lynch goste do que eu fiz, eu corro o risco de me foder em um processo por causa da CBS? Que mundo é esse em que vivemos?

Se August Derleth (talvez o segundo autor que mais escreveu sobre os Mythos de Cthulhu), Clark Ashton Smith e Robert E. Howard tivessem sido processados por violação das leis de Copyright, certamente a literatura moderna seria diferente. Quando E. Howard citou o Necronomicon de Lovecraft em uma história, os EUA e parte do mundo estavam em crise econômica, e escritores (como eu bem sei) não são conhecidos por serem muito ricos. Só o Paulo Coelho. Talvez mais um ou dois. Mas então, provavelmente não teríamos os vários contos envolvendo os Mythos escritas por Derleth (que contribuiu com bastante coisa, embora tenha deturpado um tanto a ausência de maniqueísmo envolvendo as entidades cósmicas). Além disso, provavelmente não conheceríamos o Conan de Robert E. Howard, e isso já teria um bom impacto na nossa cultura pop.

Várias outras coisas não teriam acontecido: Os Beatles, que começaram gravando músicas antigas ainda como os Quarrymen... Acredito eu que os Inklings (grupo do qual fizeram parte Tolkien, autor de "O Senhor dos Aneis", e C.S. Lewis (autor de "As Crônicas de Nárnia") também trocassem bastantes ideias. E isso apenas vinte anos antes de o Led Zeppelin ter sido processado pela homenagem musical que fizeram a Sonny Boy Williamson II, com "Bring it On Home".

De lá para cá, a arte está ficando cada vez mais fechada, e os autores que querem revisitar alguma obra têm de esperar que ela caia em domínio público. Ou isso ou se render à vontade dos detentores dos direitos autorais, que provavelmente nem conhecem a obra direito. Daqui a pouco desenhar qualquer super-herói vai ser motivo para o Stan Lee te processar por ter roubado o conceito do Gavião Arqueiro. Por que a arte não pode ser propriedade de todos? As pessoas não têm o discernimento de escolher quais artistas são bons para elas, e investirem neles livremente? Porque eu compro os filmes e os álbuns de música que consigo comprar, quando sinto que a banda ou o diretor em questão merecem... E tudo isso para a Atlantic Records ganhar grande parte da soma, ao invés do artista?

Pensem nisso, e vejam se o mundo está melhor assim ou não.

E só para deixar o adendo de que, se as obras fossem liberadas para download gratuito, os discos / filmes / livros teriam de acabar se tornando um tanto mais baratos, para ter o atrativo que faria as pessoas gastarem seu dinheiro e darem suporte ao artista. Fora que o próprio instinto de fã já faria este trabalho. A única coisa que me limita de comprar mídia a todo instante é a falta de dinheiro para tal. É isso o que eu queria dizer... Comentem e digam se faz sentido.

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